sexta-feira, 3 de maio de 2013

Carta a Rui Zink


Caro colega e comensal neste banquete de açorda insulsa que é a vida,

Tomei a liberdade de dirigir-lhe esta curta missiva porque, primeiro, a minha lauta ignorância não me permite alcançar sequer os arrabaldes da metafísica, domínio esse que é da sua alçada; segundo porque tenho para mim convictamente assente que o seu trato com os assuntos surreais e transcendestes lhe é congénito, fácil e desembaraçado. Bem sei que o propósito, e verá já, é supinamente despropositado, mas creia-me que não é de propósito.
Saiba pois que ultimamente tem adentrado o meu intelecto um desassossego daqueles que esboroam os neurónios e destabilizam a jurisdição do epigástrio. Um suplício sem precedentes em toda a filosofia, asseguro-lhe.
Sucede que uma questão visceralmente ontológica, imanente e transcendente impede o decurso normal da minha existência: Porquê? Ah, a imundice desta questão, a sua constante presença, sombra e reflexo desconserta-me todos os mecanismos da alma. Sinto molas a saltar, parafusos a quebrar, juntas a ceder. Porquê? Não logro uma resposta, não ouso aventar uma hipótese. Porquê? Este nó cego cega-me o fluir das cogitações. Porquê? Este dissílabo monocordiza a polifonia do brotar da minha poesia. Porquê? Porquê? Detrás dos muros desta questão antevejo a loucura. Ei-la, ali, zombeirona, a ridiculizar-me. Note o seu escarnecedor semblante! Que cólera! Que cólera! Ajude-me, caramba!
Caro colega, ajude-me, reitero o rogo. Ponha término a esta afronta, a esta sucessão de noites insones e despertares sonambúlicos. Ajude-me, imploro-lhe. Só uma alma omnisciente como a sua pode valer-me.

Submerso no lamaçal de tudo isto, mui respeitosamente e atarantado subscrevo-me,
dinismoura. 

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