domingo, 23 de dezembro de 2012

Poema



Vésperas de Natal


todos os anos por esta mesma altura
assalta-me sempre a mesma dúvida:
o que oferecer à minha filha?
ideias não faltam
visto que  da sua mente elas jorram abundantemente.
o problema prende-se com o erário doméstico:
se a minha colecção numismática não fosse tão parca em euros
eu  oferecia à minha filha uma boa parte do recheio que o pai natal
– esse guru do marketing esse mago do consumismo –
tem guardado nos vastos armazéns que possui na lapónia.

há cinco anos dei-lhe uma bicicleta “igual à da rita”
(ironia esplêndida andou nela uma vez).
há quatro anos pus-lhe no sapatinho
um belo par de sapatilhas da Puma.
quando abriu a caixa sussurrou um muito seco
“ que raio de coisa…”
no ano seguinte não sei se minado
por algum resquício de remorso do ano transacto
sondei-lhe minudentemente magistralmente o âmago.
resultado: dia 25 logo pela manhã tinha já enfiados
uns fabulosos patins em linha Rollerblade
– melhores muito melhores que os das ritas patrícias e joanas
(pelo menos aos domingos rolam até se estafarem).
há dois anos embora muito contra  a minha vontade
lá lhe ofereci o tão desejado Nintendo DS
que há meses vinha sonhando ininterruptamente.
no ano passado
nunca uns olhos de pai
tinham visto tanto brilho nuns olhos de filha.
a causa deste êxtase de alegria
foi um computador portátil Acer.
“és o melhor pai do mundo” – disse num grito  estrídulo.
este ano sinceramente não vou despender
um único cêntimo em  PlayStations  Nokias  Barbies
e outros produtos afínicos.
além do mais não quero transformar o quarto
dela num museu do brinquedo
ou numa sucursal da Toys "R" Us.

este natal vai ser diferente:
estou a pensar dar-lhe um presente. 
dinismoura
 2010

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Indignação em Transbordo



Carta ao Pai Natal




Caro Pai Natal,

Pode não acreditar, mas estou pela primeira vez na vida a escrever-lhe uma carta. É verdade, sou um neófito nestes assuntos, desconheço de todo em todo o preceituário atinente à epistolografia painatalícia, pelo que terá de ser condescendente e desculpar-me um ou outro eventual e inevitável deslize.
Desde tenra idade, confesso, nunca acreditei lá muito naquela figura de barbas artificialmente longas e brancas, e trajando uma pindérica vestimenta vermelha, que generosamente distribuía prendas por todos. Particularmente, sempre acreditei com toda a convicção que o Menino Jesus era o patrocinador da imensurável alegria que no dia 25 logo pela manhã se apoderava de mim assim que via a árvore rodeada de coloridos embrulhos. Por essa razão, sempre que almejava aquele fabuloso brinquedo que vinha há meses sonhando ininterruptamente, muitas das vezes desde Janeiro, pedia-o em devotíssimas e elaboradas orações ao Menino Jesus, não a esse, digamos, estranho e desconhecido lapónio.
No último Natal, esperançoso de ver resolvidos os problemas que há tanto afligem a nação portuguesa, e tendo plena consciência da ingente e sobre-humana tarefa necessária para suprir a tão laborioso desígnio, resolvi recorrer ao auxílio celestial e, como nos idos anos da minha meninice, entreguei-me ao costumário ritual implorativo. Desta feita, durante dois meses, entre preces e súplicas, implorei ao Menino Jesus uma solução idónea e lesta para as nossas tormentas. Ironia natalícia, divina, ou até mesmo do destino, na manhã do dia 25, em volta da árvore, só os habituais presentes de familiares e amigos. Fiquei desiludido. À desilusão seguiu-se o desprezo, ao desprezo a cólera. Parece que o filho resolveu enveredar pelas sendas do pai – esse agónico desdém a que nos tem votado. De agora em diante, não mais perturbarei a famelga celeste. Arre! Que vontade incontida tenho de virar pelo avesso aquela manjedoura e lançar fogo àquela palha toda. Que vontade pertinaz tenho de tornar-me o primeiro iconoclasta presepista. Peço imensa desculpa por este assomo delirante, mas isto são idiossincrasias de um português indignado, desiludido, algo que um finlandês como o senhor jamais entenderá.
Não mais me deterei nestas considerações; avancemos portanto em direcção ao propósito desta missiva.
Estou certo que o senhor conhece o primeiro-ministro português, todavia suponho que desconhece aquilo que este governante está a fazer com Portugal e milhões de portugueses. Deixe por alguns instantes os brinquedos, os embrulhos, as renas e queira dar uma saltada à internet. A leitura de meia dúzia de artigos da imprensa portuguesa desta semana bastará para elucidativamente ficar ao corrente do statu quo deste país, bem como do calamitoso desempenho do nosso sumo governante.
De igual modo, ficará a saber que também ele é um Pai Natal, mas bastante peculiar, pois, contrariamente a si, ele segue uma doutrina nos antípodas da sua solidariedade, uma doutrina propalada por uma escola, ou seita, não tenho a certeza, de Chicago. Os presentes que ele faz questão de repetidamente pôr-nos no sapatinho também são diferentes, visto que por causa da crise estes vêm sempre embrulhados em papel de austeridade. A título de exemplo, e para ficar com uma ligeira ideia, há relativamente poucos dias recheou-nos o sapatinho com um chorudo aumento da carga fiscal.
Pai Natal, a política-picareta-dinamite do nosso primeiro-ministro está a demolir este país, está a arrancar enormes pedaços dos já de si parcos salários que os portugueses auferem, está a arrancar-nos pedaços de carne, de alma, de esperança, de dignidade, está a arrasa-nos os alicerces do futuro. Neste momento somos uma nação onde o quotidiano tem o pesadume de uma pesadona cruz, uma nação onde em todos os departamentos de finanças e bancos encontramos sempre algum Judas pronto a “tirar-nos da bolsa tudo o que nela se lança” e a entregar-nos, não por trinta dinheiros, antes por centenas deles, a despóticos e glutões agiotas. O nosso quotidiano é um calvário, sem Cireneus, com muitas mães a chorarem por elas, pelos seus filhos, pelos seus maridos, e muitas Verónicas a enxugarem todos estes rostos. Resumindo, diria que este país está a transformar-se num “vale de lágrimas”, copiosamente derramadas pela amargurada vida que levamos. ”Salve, Rainha, mãe de misericórdia, esperança nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei”. Olhe que bem precisamos.
Pai Natal, cada vez que vejo o manda-chuva, o manda tudo abaixo do nosso primeiro-ministro vir ao canal estatal com o propósito de dirigir-se aos portugueses - e traz gravata azul, na aba do casaco aquela minúscula bandeira de Portugal, e na cara espetados aqueles intimidadores óculos neoliberais-, digo sempre para mim mesmo: calma rapaz, sê desta vez esperançoso. Em vão: como sempre, a desilusão…. Mais um pacote de medidas de austeridade… Pacote? Qual nada! Mais um contentor, sejamos realistas, sinceros e coerentes. Assim que o sujeito abre a bocanha, começam logo a jorrar excrementos em catadupa. Peço perdão pelo conteúdo escatológico, mas não encontro um vocábulo mais ilustrativo. (O homem tem um grave e raríssimo problema congénito – a extremidade do seu intestino grosso encontra-se na cavidade bocal). Da minha parte (e nisto acompanham-me milhões, tenho a certeza), não muito depois, é sintomático, começa o doloroso e já típico desenrolar de torturantes sintomas. Não sei se é alergia ao que ele diz, ou alergia à sua figura (porventura são as duas), mas o certo é que dá-me bruscamente uma dor agudíssima no estômago, a tensão arterial aumenta para níveis rentes a um AVC, o ritmo cardíaco põe o pé no acelerador e é vê-lo ir por aí desrespeitando todas as regras relativas ao código de saúde; fico com vertigens (olho para o chão e parece que estou a ver os meus pés do 10º andar de um prédio), desabam em mim cefaleias insuportáveis, tenho suores polares, vómitos sulfúrico-clorídricos tempestuosos, diarreias caudalosas como o Amazonas, picadas nas mãos e nos pés, bem piores que uma ferroada daqueles viris abelhões aparelhados de ferrão de grande calibre; fico com falta de ar, sinto palpitações vulcânicas, contracções e tremores com intensidades sísmicas na ordem dos 12 graus na escala de Richter. Pai Natal, juro-lhe, ao ver aquele bombardeiro despejar aquelas sentenças aniquiladoras, vê-se nitidamente por detrás daquelas vidraças polidíssimas, anti-reflexo um cínico brilho de prazer a crepitar naquelas pupilas atormentadores. Isso atormenta-me.
 O sujeito parece que está a apanhar o gosto à coisa. Esta constatação não agoura é nada de bom para o meu lado. Um dia destes, o meu músculo cardíaco, farto de tudo isto, prega-me um valente cacetadão no peito, aplica-me um ippon e vou ao tapete. O nosso primeiro-ministro, esse, de coração forte, resistente, continuará a vir ao canal estatal, a despejar as mesmas pesadas cargas dos habituais contentores, e eu, rodeado de vermes, de ouvidos moucos e olhos cegos, apodrecerei naquela tranquila paz que só encontramos quando enfiados num fato de madeira e rodeados do terroso silêncio de uma cova. A morte, por vezes, tem um lado bastante positivo. Mas eu não pretendo ainda morrer, porquanto desejo viver até à idade em que haverei de ver o meu país livre destes pulhas.
Pai Natal, tendo perfeita consciência dos limites óbvios do seu erário e consequente disponibilidade orçamental para os gigantescos gastos que se aproximam, não vou naturalmente pedir-lhe que ofereça a cada português um subsidio de Natal, o que até convinha, pois era, leu bem, era - porque já era mesmo, passo o malabarística cacofonia  (trata-se de mais uma prendinha do nosso primeiro-ministro) - essa valiosa subvenção que possibilitava a muitas famílias acertar as suas contas no final do ano, amortizar os sugadores créditos, pagar certas despesas, o seguro do carro e, nalguns casos, juntar um pecúlio para uma ou outra eventualidade futura. Para este Natal, quero simplesmente pedir-lhe em meu nome, e em nome desta nação, que tenha a bondade de oferecer ao povo português um novo primeiro-ministro, alguém superiormente competente, eminentemente diligente, totalmente desinstrumentalizado e absolutamente íntegro. Não será despiciendo de forma alguma presentear-nos com um ministro escandinavo. Aceitaremos de bom grado, acredite. Aqui para nós, até uma rena das suas faria melhor figura nas rédeas do nosso executivo que o guarnecido cervídeo que lá está.
Antes que o meu olvido perpetre das suas, gostaria de pedir-lhe, caso dê seguimento à ideia de oferecer-nos um primeiro-ministro, que o presente seja entregue, detalhe deveras importante, em Berlim, em casa da senhora Angela Merkel, visto que toda a equipa governamental portuguesa mudou-se recentemente de armas e bagagens para essas bandas.
Pensando melhor, Pai Natal, a conjuntura aqui na escornada fímbria vai de tal maneira que nem mesmo a mestria de um talentoso ministro surtirá efeito algum. Que se danem pois esses espécimens! Definitivamente! Desconsidere portanto este pedido.
Olhe, de súpeto acaba de ocorrer-me uma ideia melhor. Neste Natal, ofereça-nos um mágico. Sim, um mágico. Eis a solução mais eficaz e idónea, eis o ser que num abrir e fechar de olhos solucionará todos os nossos problemas, crises e adversidades. Mas, permita-me um pequeno reparo, nada de mágicos amadores, daqueles que tiram coelhos da cartola. Aquele que temos a reger o curral governamental, creia, já nos basta, e de que maneira. Dois Coelhos no poder matariam milhões de portugueses de uma cajadada. Seria uma tragédia.
Pai Natal, eu quero acreditar que o senhor existe, que vai ler esta carta e tomar em consideração o meu pedido, para nós portugueses tão vital como o oxigénio, esse gás essencial para a manutenção da vida, um gás que a curto prazo, aqui, em Portugal, temo que possa também vir a ser alvo do crivo da contenção. Num país onde a aguçadíssima lâmina da austeridade faz do mais maciço diamante um mole pedaço de manteiga, já nada suscita a minha admiração.
Antes de dar por concluída esta carta, gostaria de deixar-lhe aqui o meu prévio agradecimento à atenção que queira conceder a estas linhas que ora termino.
Subscrevo-me, com a mais elevada consideração. 


dinismoura.

Presente de Natal para os nossos governantes


        Tendo perfeita consciência do penoso período que o país está a travessar, assim como da ridicularia em que esta quadra, cada vez mais, está a tornar-se, por certo vítima daqueles que dela tiram ganhunça, e por isso ardilosamente obnubilam o seu verdadeiro e original significado, ocorreu-me que neste Natal deveríamos oferecer presentes mais comedidos, preferencialmente mais simbólicos do que materiais, mais significantes do que aliciantes ou impressionáveis.

Assim sendo, sugiro que neste Natal ofereçamos aos nossos governantes um presente representativo do autêntico espírito natalino e demonstratório dos nossos valores humanos mais elevados. Tudo isto sem esquecer, como é óbvio, o nosso PIB, pois ao invés de chinesices, chinesadas ou produtos feitos na China, demos absolutamente prioridade aos produtos genuinamente nacionais, fruto do nosso labor, esforço, dedicação, saber e concepção.

Neste Natal ofereçamos aos nossos governantes tudo aquilo que vai nas nossas almas. Embrulhemo-lo em papel de rancor e enlacemo-lo cuidadosamente com uma fitinha de ódio e indignação. Para finalizar tão mimoso presente, ajuntemos um postalzinho desejando-lhes um INFELIZ NATAL E UM IMPRÓSPERO ANO NOVO.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Drageias para refeições indigestas

Li a preciosidade que abaixo se segue num periódico regional romeno, O Draculinia, uma espécie de Jornal do Fundão\Revista Caras, versão Transilvânia. Para os curiosos deste tipo de fait divers, segue-se o resumo muito resumido da insólita ocorrência.

Um vampiro transilvano decidiu tornar-se vegetariano. Substituiu o nutritivo sangue dos homens e das bestas por saladinhas, muita fruta e derivados da soja. Ao fim de dois meses morreu. Segundo o parecer do médico autopsista, o individuo morreu na sequência de uma cirrose vitamínica. 


Entretanto, o presidente da junta lá do sítio já fez saber que este vampiro foi declarado  persona non grata post-mortem.

domingo, 16 de dezembro de 2012

O meu novo romance

 


Acabadinho de ser dado à estampa, o meu novo romance, intitulado Diário escaldante de uma freira desregrada, é um íntimo, recheado e guloso relato do excitante quotidiano de uma carmelita ninfomaníaca e lésbica contado pela voz da sua desinibida vulva. Na clausura de um intransigente convento, ficamos a saber a onde levam os irrefreáveis, libertinos e libertadores desejos de Angélica, uma noviça sequiosa de prazeres carnais. Depois de iniciar nas suas devassas andanças a sua melhor amiga, Inocência, uma carmelita de dezassete aninhos, uma alminha totalmente ingénua e santa, completamente desconhecedora da anatomia do prazer, em pouco tempo as duas entregam-se a práticas libidinosas, aprontam trinta, quarente e sessenta e nove por uma linha. Juntas descobrem que a cunilíngua leva mais facilmente às portas dos céus que um ano inteiro de novenas, descobrem que o orgasmo é um deus que as resgata do tédio das orações, “o nosso salvador”, como elas o designam, “um salvador mais atencioso, gentil, regalador e divertido que aquele que a madre superiora insistentemente alude, levanta da Bíblia e põe a andar invisivelmente pelo lajedo do convento”. Com a ajuda de um iPhone, as duas realizam filmes de um pornografismo inexcedível, escaldantíssimo, extraordinário, mágico, algo seguramente sem precedentes na história da cinematografia, e tudo isto feito com um esmero, devoção e fervor religiosos.

Todavia, esta existência deliciosamente pecaminosa e imperturbável que levam dentro das quatro paredes da noviciaria, um lascivo, velado e insuspeito paraíso, depressa se vê transformada com a chegada de uma carmelita mulata, uma noviça de uma beleza celestial, um “anjo exótico”, que rapidamente descobrem ser hermafrodita. Mais não revelo.

Comprem o livro, e descubram como um convento de carmelitas, com muita vontade, desejo, apetite, excitação e inventividade, pode devir num éden de prazeres e delícias.



O Vaticano, como não podia deixar de ser, pois, como é consabido, faz sempre questão de ter a última palavra quando abordam os seus domínios, já condenou o livro. “Uma imperdoável impudícicia, uma intolerável afronta aos sagrados e imaculados valores da Santa Madre Igreja”, denunciou um dos membros da cúria romana. Eu, por mim, estou-me nas tintas para esse incurável intrometediço, completamente, e asseguro-lhes que a freira também.